Salvador, 19 de julho de 2020
À Comunidade da Universidade Federal da Bahia
Após apreciarmos o conjunto de propostas para o semestre suplementar, nós do NEIM/UFBA (Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher), inicialmente nos posicionamos favoráveis ao retorno das atividades acadêmicas, mas gostaríamos de levantar alguns questionamentos, nos somando a coletivos que expressam as mesmas preocupações em relação ao agravamento das disparidades de gênero neste período de pandemia e quarentena. Tal problematização já foi apresentada à Congregação da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas e trazemos agora nossa preocupação ao CONSUNI.
Pesquisas recentes no campo dos Estudos de Gênero mostram que as mulheres são as principais atingidas com o confinamento, seja na redução dos ganhos, seja no aumento do trabalho doméstico, ou mesmo dos índices de violência doméstica. Nesse ponto as mulheres que estão na academia não fogem à regra: pesquisa publicada em maio pela Revista de Ciências Sociais da URFJ demonstra que o número de artigos submetidos por mulheres como primeira ou segundas autoras despencou, ao ponto de chamar atenção da revista.
Todas nós, docentes e mulheres temos sido cobradas pela naturalização do nosso papel de cuidadoras e outras tantas pretensas qualidades, que se estendem do privado para o público e que, ao que tudo indica, se agravarão ainda mais com o ensino remoto. Quantas de nós não estamos exaustas com as demandas domésticas e com grande dificuldade para dar conta do trabalho remoto? Se nós, que temos nosso salário garantido, como também as técnicas-administrativas, estamos sobrecarregadas, imaginem nossas estudantes? Aqui lembramos ainda as trabalhadoras terceirizadas da universidade, grupo com presença maior de mulheres negras em relação às docentes, que certamente tiveram suas vidas profundamente impactadas pela pandemia da COVID-19.
O trabalho e o estudo realizados, nesse momento, continuarão sendo feitos a partir de casa, o que representa aumento da precarização, deixando sob a nossa responsabilidade e de discentes os custos, a manutenção dos equipamento, muitas vezes compartilhado com outras pessoas da casa, os problemas técnicos, concomitante a capacitação para o trabalho remoto, de quem necessita e, claro, no caso de nós mulheres, a sobrecarga representada pelo trabalho doméstico e pelo exercício das tarefas do cuidado com filhos, companheiros, mães e pais e pessoas em grupos de risco, tantas vezes convivendo com a violência doméstica. Muitos espaços domésticos são marcados por desemprego/precariedade no emprego, baixa renda e falta de proteção social pública, inexistência de ambiente adequado para o estudo, ou seja, um conjunto de questões que marcam a vida das mulheres e que precisa ser levado em conta pela UFBA.
É preciso que adotemos medidas concretas para amenizar essa sobrecarga. Citamos como exemplo as propostas do grupo “Mulheres na Ciência” vinculado à Pró-reitoria de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação da Universidade Federal Fluminense, para docentes, em especial mulheres, que vivem com os filhos que estão na educação infantil e no primeiro ciclo do ensino fundamental (1ª a 5ª série) bem como das que são cuidadoras de idosos. Para além do replanejamento da carga horária didática atribuída a esses/essas docentes, o que está contemplado pela minuta da Reitoria ao propor o compartilhamento de atividades entre docentes, o documento não apresenta uma reorientação das atribuições administrativas, com possibilidade de substituir temporariamente a docente, quando possível e de acordo com sua vontade, em comissões ou cargos administrativos. No que diz respeito aos/às técnicas-administrativos na mesma situação, propõe-se “a compreensão quanto cumprimento dos prazos relativos às atividades determinadas; o agendamento de atividades administrativas e reuniões considerando os horários de apoio didático aos filhos, sempre que possível; a reorganização de funções, em comum acordo com os funcionários do setor, de maneira a não sobrecarregar os técnicos-administrativos com menor disponibilidade devido a atribuições familiares de cuidados, especialmente, com filhos que não tiveram retorno presencial às escolas”.
Compreendemos que a UFBA deve adotar semelhante postura, demonstrando compreensão de que, se almejamos um futuro sem a divisão sexual do trabalho, ela infelizmente se faz presente e hierarquiza nossas relações cotidianas, sobrecarregando as mulheres, em especial nesse período atípico em que vivemos.
Colegiado do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (NEIM/UFBA)